No SXSW 2025, assisti a duas palestras que trouxeram reflexões fundamentais sobre privacidade e proteção de dados. Ambas partiram de um ponto comum: as pessoas se preocupam com sua privacidade, mas, na prática, sentem-se impotentes para protegê-la.
Meredith Whittaker, presidente da Signal, foi enfática ao afirmar que a ameaça à privacidade vai além do conteúdo das mensagens. Mesmo em plataformas que oferecem criptografia de ponta a ponta, os metadados ainda são registrados e analisados. E, muitas vezes, eles dizem mais sobre nós do que as próprias mensagens.
Os metadados podem revelar quem você está contatando, quando, com que frequência e de onde. Parece inofensivo? Pense no que essas informações podem significar em um contexto mais amplo: saber quais médicos alguém visita, quais reuniões frequenta ou com quem tem relações próximas pode ser o suficiente para prever comportamentos, direcionar anúncios de forma invasiva, influenciar decisões e até colocar pessoas em risco. Não é exagero dizer que metadados podem ser usados como uma arma.
Na mesma linha, Arjun Bhatnagar, CEO da Cloaked, destacou um paradoxo interessante: as pessoas valorizam a privacidade, mas não sabem como protegê-la. Ele mencionou um dado que reflete bem essa contradição: 94% das pessoas acreditam que a sociedade deveria dar mais atenção ao tema, mas poucas adotam medidas concretas para se proteger.
Muitos ainda acreditam no mito de que 'não têm nada a esconder' ou que seus dados não são valiosos o suficiente para serem alvo de ataques. No entanto, como Arjun destacou, mesmo que você não se veja como um alvo de interesse, suas informações podem ser usadas para mapear redes de contatos, criar perfis comportamentais ou até facilitar ataques direcionados a outras pessoas ao seu redor.
Por quê? Porque vivemos em um sistema que, para funcionar, exige que abramos mão dos nossos dados. A coleta massiva de informações não é um efeito colateral, mas sim um modelo de negócio. Empresas e serviços, dos mais básicos aos mais sofisticados, condicionam seu uso à troca de dados pessoais. Muitas vezes, não há escolha real.
Mas isso significa que não há nada a fazer? Ambos os palestrantes discordam dessa ideia. Pequenas ações ainda fazem diferença: escolher ferramentas que respeitam a privacidade, limitar permissões de aplicativos, evitar conectar contas entre diferentes serviços e, no caso das empresas, ir além do mero cumprimento da LGPD, adotando um compromisso genuíno com a proteção dos dados de seus usuários.
Além disso, adotar medidas simples como usar e-mails e números de telefone alternativos, ativar a autenticação em duas etapas, utilizar gerenciadores de senhas e monitorar periodicamente suas contas bancárias e digitais pode ajudar a minimizar riscos.
A privacidade não pode ser tratada como um privilégio ou um capricho técnico. É uma condição essencial para a liberdade, para a segurança e, em última instância, para a nossa autonomia enquanto indivíduos. No entanto, se continuarmos no caminho atual, ela pode se tornar apenas uma lembrança de um tempo que já passou.
Diante desse cenário, a pergunta que fica é: será que a privacidade ainda será resgatada ou já nos conformamos em viver sem ela?